18.2.08
“Si j'étais restée”
A Rita, minha amigalhaça do peito com quem dividi além de casa, as aventuras e desventuras no meu primeiro ano em Madrid, em 2005-2006, ganhou um concurso de textos de amor com um texto lindo, que eu tive a grande honra de ser a primeira pessoa a conhecer. Como apesar de todos os meus esforços a Rita ainda não tem blog, nem nunca quis associar-se ao meu (espertalhona, prefere ganhar concursos! :)), resolvi publicar aqui o seu texto. Na verdade morro de inveja de não o ter escrito eu, mas é assim a vida, para os temas do coração nunca tive muito jeito, quanto mais escrever sobre eles!
"Procuro-te. Busco-te. Abro ficheiros e pastas no computador, de fotos, de vídeos. Mas tu não estás em nenhum. Procuro por ti. Escrevo o teu nome no rectângulo de busca, no site do Google. Com o teu nome, existem muitas pessoas. Mas não és tu. Nunca és tu.
Como se nunca tivesses existido. Como se só na minha cabeça fosses real. Que estranho é. Num momento da minha vida, só existias tu, para mim. Eu, estava sozinha. E procurava-te. Quantas vezes te telefonei. Pedia-te se podia ir a tua casa. Estava sozinha e precisava de ti. Ficávamos horas a falar, lanchávamos lentamente, entre as 17h e as 20h. Três horas de lanche!
Três horas em que partilhávamos segredos. Três horas em que me olhavas nos olhos e sabias todas as minhas mágoas, sem que eu movesse os lábios. A luz do dia desaparecia, lentamente. E nós continuávamos ali, sentados, os dois, um em frente ao outro, até anoitecer. Agarrávamos uma caneca, cada um, e olhávamo-nos discretamente, entre goles de chá. Mas logo desviávamos o olhar, dirigindo-o para as canecas, que fumegavam e arrefeciam nas nossas mãos.
Às vezes, tocavas piano. Eu escutava-te. Sei que não tocavas por mim, nem para mim. Mas aquele momento era nosso. Ainda que tu estivesses sozinho, absorvido pelo piano, absorvido pela música, com os teus dedos tocando freneticamente uma sucessão de teclas, que se articulava numa harmonia perfeita. E eu ali, somente escutando. Sentada, numa cadeira distante, com uma caneca de chá na mão. Observando-te. Ouvindo-te. Apreciando-te.
Quando passeávamos à noite, olhávamos o Rhône, desde a ponte. O Rhône reflectia as luzes da universidade. Já era Verão. Eu adorava entrelaçar o meu braço no teu. E sentir que naquele momento só existíamos os dois, o rio, as luzes. Desejei que me beijasses, que te esquecesses de tudo, que me desculpasses. Desejei que me agarrasses e que não me desses alternativa. Como se eu não tivesse culpa de te beijar também. Como se a decisão fosse tua, somente tua, e eu pudesse ser ilibada de qualquer culpa, porque na realidade não me tinhas dado outra alternativa a não ser entregar-me, nessebeijo, a ti.
Nunca o fizeste. Nunca te demonstrei o meu desejo de que o fizesses. Mas tu sabes que eu o queria. Por isso naquele dia, quando me agarraste sobre aponte e eu me voltei de repente e ficámos frente a frente, a uma distância tão curta que nos permitia sentir a respiração um do outro e os nossos olhares se cruzaram; por isso, nesse momento, ou no instante seguinte, numa fracção curta de lucidez, desviámos tão rapidamente o olhar e ficamos os dois, um ao lado do outro, a olhar fixamente o rio, de cima da ponte, sem ousar tocarmo-nos outra vez com o olhar, sentindo o rubor da culpa e da intensidade do momento aflorando à pele. Sentindo a brisa do Rhône, e vendo a agua correr, correr sempre sem parar. Sabendo que a agua segue a corrente e nunca se desvia.
Contigo esqueci o meu passado. Contigo lembrei-me da vida. Quis estar ao teu lado. Só existias tu naquele momento. Mas agora, quase um ano depois da primeira vez que te vi, também o tempo passou. Como a água do Rhône, também o tempo avançou. E já não estamos juntos.É por isso que hoje te procuro e já não te encontro. Busco-te e não te vejo em nada mais que na minha memória. E se tivéssemos ficado juntos? E se eu tivesse conseguido doutoramento em Lyon? E se em vez de me ter esquecido de ti, me tivesse afinal esquecido de mim?
Pensavas partir. Mas sei que ainda aí estás. Afinal não partiste. Por essa altura, perguntei-te se pensarias em ficar; se não pensarias em partir se eu aí pretendesse ficar. Respondeste-me resolutamente que nada teria mudado; que pensarias partir da mesma forma. Mas naquela altura pensavas partir. E não partiste.
Deixa-me então repetir a pergunta: Si j'étais restée, qu'est-ce qui aurait changé? Não me respondas."
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Lindo! Bjs à Rita e à Margarida PS:Sinto-me melhor por não estar só na resistência a ter um blog...só não ganho concursos :(
Obrigado por partilhares este momento connosco Margarida. Este post é verdadeiramente doutro mundo! ;)
Quem conhece a Rita sabe que não se trata dum simples texto. E' uma janela para o seu enorme coração. Ler as suas palavras é como um suspiro na escuridão angustiante das rotinas e vacinas. E' acreditar que todos estamos errados, parados e apagados. Nunca mudes Rita!
Margarida, deixa-me partilhar com os teus leitores uma conversa que tive com a Rita num dia banal que mudou a minha vida. O alcance e a simplicidade da sua frase mostra bem a dimensão da sua generosidade e amor pelo próximo. Victor, porque não sorris mais vezes, estás triste?
O Rhône continua a respirar e as luzes da universidade continuam a aconchegar as noites de Lyon. Faltas tu Rita!
.vitor
Texto lindissimo. Parabéns Rita e Margarida
Não conhecia o blog, passei outro dia e voltei. Gostei.
:))
Alberto,
lá porque a Rita não tem blog isso não é desculpa!
Vicks,
sim, só quem conhece a Rita pode compreender realmente tudo o que vai com as suas palavras!
CS,
os parabéns são para a Rita! :) Sê muito bem vinda, espero que continues a apreciar e a voltar!
Enviar um comentário