Controvérsias - Uma História Ética e Jurídica da Fotografia é a nova exposição que pode ser visitada no Musée de l’Elysée, em Lausanne, até ao final do mês de Maio. Imperdível, pelo menos para quem está ali pela zona. Eu não vou poder fazer mais que esperar que esta exposição tenha muito êxito (previsível), e mais tarde a decidam repetir aqui na penísula.
Acho que não se nota muito, mas eu adoro fotografia. Mas gosto sobretudo da fotografia pelas palavras que são ditas sem serem escritas, por tudo o que uma foto pode encerrar de significado e de história. É por isso que é-me difícil gostar de uma foto que seja simplesmente bonita (mesmo que sejam de gatinhos) e, ao invés, tenho uma espécie de reacção pavloviana a uma foto forte, sinto-me a salivar e fico excitada com a quantidade de sinapses, que, de repente, o meu cérebro bombardeia.
Lembro-me que, há uns anos, no âmbito de uma cadeira opcional chamada Limites da Ciência - Arte, Tecnologia e Sociedade (vulgo ECATS, que saudades do Jorge Calado), fiz um trabalho sobre a obra Alice no País das Maravilhas. Fartei-me de ler coisas sobre o Lewis Carroll, e no meio de tudo aquilo comprei um livro chamado Meninas. Ora, para quem não sabe, Lewis Carroll gostava muito de meninas. Alice no País das Maravilhas foi baseado e escrito para Alice Lidell, que Lewis costumava levar ao teatro, a beber chá, etc. Quando os meus olhos se pousaram naquele livro, repleto de fotos de meninas (inclusivamente alguns nus), não pude resistir-me a um sentimento de nojo profundo, porque, sinceramente, aquilo não me pareceu mais que pedofilia disfarçada de, de, de... não sei, nem sei bem o que senti.
Mas claro, isto é um sintoma dos nossos dias. Há dez anos, quantos portugueses de classe média conheciam a palavra pedofilia? Hoje tudo se tornou um tabu, e não é que as coisas aconteçam mais, é simplesmente porque agora as notícias circulam. Todo e qualquer gesto em relação a uma criança passou a ser visto com desconfiança, e eu nem sequer o posso criticar, é compreensível.
Mas não sei, ao mesmo tempo não sei o que pensar. Não sou psicóloga, não estudo o comportamento humano, mas eu gostava tanto dos desenhos animados da Alice que a mera possibilidade (não comprovada) de que aquilo tudo pudesse ter, por trás, uma história de abuso sexual de menores, irrita-me e baralha-me os valores. (Mas isto também é outro problema nosso, tendemos a imaginar os artistas e cientistas como pessoas "boas", mas normalmente só a sua obra foi boa, a maioria foram - e são - uns filhos da puta.)
Nesta exposição estão muitos tipos de fotos controversas. Lembram-se da foto da freira a beijar o padre, da Benetton? A mão "arrancada" de um qualquer corpo do 11 de Setembro, que quebrou o acordo de se não mostrarem os mortos na imprensa? Mas também lá estão nus de meninas, (passe a controvérsia) escolha lógica e acertada dada a actual importância do tema, tão discutido, tão debatido e teorizado, da pedofilia.
Está lá a Brooke Shields (aos dez anos e com cara de adulta!), mas chamou-me mais a atenção a foto de um americano, Jock Sturges, especialista em nus de adolescentes que teve inúmeros problemas com a justiça e que finalmente viu reconhecida em tribunal a natureza artística do seu trabalho. A propósito disto, afirmou que seria impossível voltar a fazer as suas fotos no "mundo actual".
O que me leva a questionar: em parte, não será nosso o problema? Não está o nosso "mundo actual" a ver pecados em tudo? A proibir em demasia? Será que, realmente, tudo o que se decide que é mau é realmente mau? Ou será que é apenas um artifício para pensarmos que assim estamos mais protegidos contra o "verdadeiramente" mau e contra os "verdadeiros" maus? Contas feitas, estaremos mesmo?
2 comentários:
Não será a própria procura de modelos escanzeladas, esqueléticas, apenas com pele e ossos, uma procura de "meninas" que já não o são?
A nossa noção de "maioridade" tem vindo a mudar ao longo dos tempos. Antes, casava-se e procriava-se aos 12/14, casa-se aos 30s e procria-se 10 anos depois.
O que hoje é pedofilia, há 50 anos não era. Não estou a desculpabilizar nada.
Apenas os meus dois cêntimos.
Mais do que a pele e osso, é interessante ver que a grande maioria das modelos de hoje têm um aspecto imberbe. Pelo menos nos anos 90 procuravam-se modelos (igualmente esqueléticas) mas com mamas e a transbordar sensualidade.
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