4.9.10

Mais que um número

O caso da senhora com 70 gatos e mais uns quantos cães num apartamento, não é inédito, mas é chocante. E é chocante por motivos mais sérios que aqueles que as pessoas ditas normais (eu chamo-lhes os indiferentes) podem argumentar. E não é só uma questão de animais, nem se resolve só com o canil a ir lá buscar tudo para abater.

O problema da miséria humana é pior do que parece, mas é claro como água que é preciso que uma pessoa esteja completamente desamparada socialmente e sozinha até à medula para chegar a este ponto. Os esquecidos da sociedade tomam muitas formas, e dentro desses os que gostam de animais deles se rodeiam, até ao ponto exacto em que já não é bom para ninguém, nem para os animais sequer. E rapidamente a história passa a ter um só final, trágico seguramente. A excepção que confirma a regra é que, volta e meia, uns senhores (normalmente senhoras, expliquem-no) de uma associção chegam, vêem, horrorizam-se e metem mãos à obra, porque nem só de dinheiro é feita a boa vontade - apesar de actualmente também existir por aí uma crença generalizada que somos boas pessoas se e porque metemos uns trocos todos os anos na Unicef e pronto, that's it, mundo salvo e bora lá de férias para a Quarteira que está um calor do caraças.

Depois de salvos os animais, veremos se alguém salva a pessoa, embora e perdoem-me o pessimismo, se alguém a salvar, duvido que seja algum estrutura oficial ou oficiosa. Talvez, dentro de uns meses, o disco gire a mesma música.

A propósito deste caso, alegrei-me com a decisão recente do governo da Bélgica de esterilizar todos os seus gatos. O objetivo é que, em 2016, todos os gatos estejam identificados, registrados e esterilizados. Durante 2009, mais de um terço dos 37 mil gatos dos centros de apoio da Bélgica tiveram que ser sacrificados perante a impossibilidade de encontrar um lar para todos. Mais que questões de saúde pública, existe preocupação pelo sofrimento animal, algo muito à frente e impensável aqui para os lados da Europa subsariana. Mas talvez abra caminho a que outros países sigam a medida, ou que a comissão europeia finalmente legisle e obrigue os estados membros a coisas tão simples como a obrigatoriedade de registar e identificar os animais. Tenho para mim que vai demorar, mas é um começo.

Em Portugal e ao contrário da crença geral há dinheiro para mandar cantar muitos cegos, mas o dinheiro esfuma-se em tantos projectos inutéis e jigajogas orçamentais que é um ultraje ter de pagar impostos. É uma pescadinha de rabo na boca que legitima muitas pessoas a fugirem aos impostos, e por aí fora. Mas esta é outra conversa.

O caso dos 70 gatos está aqui, junto a muitos outros pedidos de ajuda no Pata Vermelha. Com as despesas devidamente justificadas, sempre.

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